O CASO
O presidente do Supremo Tribunal Federal,
Ministro Joaquim Barbosa, durante a sessão plenária de 11.6.2014, expulsou da
Corte Luiz Fernando Pacheco, advogado de José Genoíno, condenado no julgamento
do mensalão.
O Advogado pedia urgência na apreciação do
recurso de seu cliente, argumentando a prioridade dos processos penais, o
estado de saúde de seu cliente e opinião favorável já registrada pela PGR sobre
o pedido.
Barbosa ironizou, perguntando se o advogado iria
pautar o processo. Após isto, irritado com a ironia, Pacheco prosseguiu com
deselegância.
Irritado, Barbosa mandou que cortassem o
áudio do advogado e em seguida que a segurança o retirasse da Corte. Ambos
alegavam "abuso de autoridade". Veja a íntegra da discussão:
ADVOGADO: senhor Ministro Presidente, “pela
ordem”!
MINISTRO: pois não!
ADVOGADO: não quero de forma alguma atrapalhar os
trabalhos dessa Corte. Processos penais, execuções penais, têm precedência
sobre qualquer outra ação. Há um agravo de José Genoíno Neto, que está concluso
a Vossa Excelência...
MINISTRO: que está pautado aqui
ADVOGADO: e não está pautado e por isso mesmo, eu
venho agora...
MINISTRO: Vossa Excelência vai pautar?!
ADVOGADO: eu não venho pautar, venho rogar a
Vossa Excelência que coloque em pauta, porque há parecer do Procurador Geral da
República favorável à prisão domiciliar deste réu. Vossa Excelência, Ministro
Joaquim Barbosa, deve honrar esta casa e trazer aos seus pares o exame da
matéria. Vossa Excelência mandou que ele voltasse ao regime semi-aberto….
MINISTRO: eu agradeço a Vossa Excelência.
ADVOGADO: ...nós pedimos que ele viesse ao regime domiciliar...
MINISTRO: eu agradeço a Vossa
Excelência.
MINISTRO: tire o áudio.
ADVOGADO: pode cortar a palavra porque eu vou
continuar falando…
MINISTRO: eu vou pedir a segurança pra retirar
esse Senhor…
MINISTRO: tire essa..a segurança por favor….
ADVOGADO: eu pegarei Vossa Excelência Ministro
Joaquim, por abuso de autoridade…
MINISTRO: vai pegar…
MINISTRO: quem esta abusando de autoridade é
Vossa Excelência.
ADVOGADO: abuso de autoridade…
MINISTRO: a República não pertence a Vossa
Excelência e nem a sua grei… saiba disso.
ADVOGADO: nem a Vossa Excelência...
ANÁLISE
Conduta e manifestação do advogado.
Primeiramente lembremos que, apesar de muitos
se esquecerem disto, não há hierarquia entre advogado e magistrado.
É o que preconiza o Estatuto da Advocacia -
art. 6º da Lei 8.906/94:
“não há hierarquia nem subordinação entre
advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se
com consideração e respeito recíprocos”.
Aqui é importante destacar também a previsão
constitucional, artigo 133, que dispõe:
“O advogado é indispensável
à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei.”
Portanto, não há subordinação, submissão ou
sujeição entre advogado e juiz. Mas, apesar disso e principalmente em função de
uma “doença” que ataca parte dos magistrados (nas palavras do ministro Marco
Aurélio – juizite), muitos, inclusive próprios
advogados, têm desprezado essa previsão legal. No caso em tela, a violação do
ministro presidente não foi apenas ao Estatuto, mas também à Constituição.
Ouvi muitos dizendo sobre como o advogado
Pacheco interviu na sessão sem ter a palavra. Muito bem, vejamos isto:
Dentre as prerrogativas previstas no art. 7°
do Estatuto da Advocacia, destaco o inciso X, o que prevê a intervenção
sumária pela ordem.
“usar da palavra, pela ordem, em qualquer
juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou
dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no
julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas”.
Essa intervenção sumária é feita em qualquer
audiência/sessão por advogado, defensor, procurador e qualquer outro regido
pelo Estatuto da Advocacia. Com o uso das palavras pela ordem,
poderá o advogado intervir sumariamente, ou seja, de forma objetiva e sucinta,
(i) para esclarecimento de circunstâncias fáticas que influenciem no
julgamento/tramitação do processo; (ii) para replicar acusação ou censuras, e
por fim, apesar de não estar expressamente disposta em lei, mas já aceita por
parte da jurisprudência e doutrina, (iii) o esclarecimento de questões de
Direito que influenciem a tramitação/julgamento do processo.
Assim, vê-se que o advogado Pacheco
corretamente se utilizou dessa prerrogativa. Sua intervenção foi feita para o
esclarecimento de que o recurso já deveria ter sido pautado para a apreciação,
mesmo sem conseguir concluir sua intervenção, esta ultrapassou poucos mais de
um minuto. Portanto, sumária.
A manifestação feita pelo advogado não
poderia ser cassada. O direito à palavra exercido pelo advogado não é concedido
pela Corte ou pelo magistrado e sim pela lei.
Sob a ótica legal, o presidente da Corte
ilegalmente retardou a apreciação do recurso (e isto não seria novidade para
ninguém). Barbosa é um admirável combatente da corrupção e da politicagem que
contamina principalmente o Congresso. Sua postura, na maioria das vezes, tem
sido louvável e definitiva para que a lei seja aplicável a todos. No entanto,
por vezes, no seu ímpeto altivo de justiça e aclamado pelo povo, vem
pontualmente sendo ativista, desrespeitando esta mesma premissa de que a lei é
aplicável a todos.
Todos, “mensaleiros” ou não, tem direitos e
garantias. Barbosa, vem habitualmente cometendo arbitrariedades para a
satisfação do seu sentimento de justiça. Ele não tem poder para isso, nenhum
juiz tem poder para isso. Juiz é aplicador da lei. É claro que não é um
aprisionado da lei, mas está adstrito aos limites dela, sendo sua função
interpretar e aplicar a lei ao caso.
Até o próprio ministro Marco Aurélio criticou
a atitude do ministro Joaquim Barbosa:
“Achei péssimo
(o episódio), mas nada surge sem uma causa e deve haver uma causa. E a causa eu
aponto, é por não haver ainda o relator, o presidente, trazido os agravos à
mesa. Estamos a cuidar de assunto que diz respeito a réus presos, e aí o
processo tem preferência maior”, disse Marco Aurélio no intervalo da sessão. ”
Vemos no vídeo que o
advogado Pacheco interviu pela ordem, pediu desculpas e imediatamente o
ministro Gilmar Mendes interrompeu a leitura do relatório para o pronunciamento
do advogado. Iniciou suas palavras com imposição, mas respeito e tecnicidade,
até o momento em que o presidente Joaquim Barbosa o ironizou, indagando-lhe se
iria pautar o processo. Daí então Pacheco prosseguiu em alta voz e tom de
desrespeito.
O problema é que o ministro Barbosa, num de
seus já conhecidos surtos de autoritarismo, optou por interromper o
pronunciamento do advogado, cortando o áudio e o expulsando do plenário.
Várias foram as manifestações que condenam o
autoritarismo de Barbosa, entre elas destaco:
“O advogado tem direito a palavra” - veja mais - Marco Aurélio,
ministro do STF
“quem está preso tem pressa...irei levar os
recursos ao plenário” - veja mais. - Luis Roberto
Barroso, ministro do STF.
“eu não agiria dessa forma” - Anderson Furlan, presidente da APAJUFE - Associação Paranaense de
Juízes Federais.
“nem sequer a ditadura militar chegou tão
longe no que se refere ao exercício da advocacia”. - Conselho
Federal da OAB
Apesar disso tudo, não quero aqui deturpar os
fatos ou tender em apoio para um lado. Foi notório o desrespeito do advogado
Pacheco em reportar-se ao ministro. Pacheco violou o dever de
urbanidade, previsto no art. 44 do Código de Ética da OAB, vejamos:
“Deve o advogado tratar o público, os
colegas, as autoridades e os funcionários do Juízo com respeito, discrição e
independência, exigindo igual tratamento e zelando pelas prerrogativas a que
tem direito.”
Certo é que o presidente da Corte violou
prerrogativas do advogado, porém, isto não daria ao advogado o direito de agir
como agiu. Agir com urbanidade não é apenas uma orientação ética ou moral, é um
dever legal imposta ao exercício da advocacia. E isso é passível de punição.
Ao final do vídeo vemos que Barbosa retrucou
o advogado dizendo que quem abusou de autoridade foi ele (o advogado). Advogado
não abusa de autoridade. Advogado não é autoridade. Advogado não é servidor
público. O abuso de autoridade aqui, se aplicável, seria apenas ao ministro
presidente Joaquim Barbosa.
A lei de abuso de autoridade
no artigo 3º, prevê:
“constitui abuso de
autoridade qualquer atentado: [...] j) aos direitos e garantias legais
assegurados ao exercício profissional.
“
E nisso o ministro Joaquim
Barbosa se enquadrou perfeitamente. Além disso, o artigo 4º, num aproveitamento
indireto completa:
“Constitui também abuso
de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual,
sem as formalidades legais ou com abuso de poder”.
Encerrada a sessão, Babosa se pronunciou
dizendo que o advogado o ameaçou. Equivocou-se o ministro. De acordo com a
doutrina, ameaça é crime específico, previsto artigo 147 do Código Penal, que
exige uma ação específica. No vídeo, Pacheco diz apenas que iria pegá-lo em
abuso de autoridade, e nisto não houve um mal injusto e grave, como exige o
tipo penal.
CONSIDERAÇÃO FINAL
O ministro Joaquim Barbosa claramente errou e
violou prerrogativas legais da advocacia. Contudo, sua atitude nada mais foi do
que uma reação a ação do advogado Pacheco, que inicia sua aparição sereno e
tranquilo, e, segundos depois, com deselegância e desrespeito. Pacheco
esqueceu-se de algo importante em qualquer relação humana, sejam profissionais
ou pessoais: para uma ação, há sempre uma reação!