terça-feira, 24 de junho de 2014

A EXPULSÃO DO ADVOGADO PELO MINISTRO DO STF.




O CASO

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa, durante a sessão plenária de 11.6.2014, expulsou da Corte Luiz Fernando Pacheco, advogado de José Genoíno, condenado no julgamento do mensalão.

O Advogado pedia urgência na apreciação do recurso de seu cliente, argumentando a prioridade dos processos penais, o estado de saúde de seu cliente e opinião favorável já registrada pela PGR sobre o pedido.

Barbosa ironizou, perguntando se o advogado iria pautar o processo. Após isto, irritado com a ironia, Pacheco prosseguiu com deselegância.

Irritado, Barbosa mandou que cortassem o áudio do advogado e em seguida que a segurança o retirasse da Corte. Ambos alegavam "abuso de autoridade". Veja a íntegra da discussão:

ADVOGADO: senhor Ministro Presidente, “pela ordem”!
MINISTRO: pois não!
ADVOGADO: não quero de forma alguma atrapalhar os trabalhos dessa Corte. Processos penais, execuções penais, têm precedência sobre qualquer outra ação. Há um agravo de José Genoíno Neto, que está concluso a Vossa Excelência...
MINISTRO: que está pautado aqui
ADVOGADO: e não está pautado e por isso mesmo, eu venho agora...
MINISTRO: Vossa Excelência vai pautar?!
ADVOGADO: eu não venho pautar, venho rogar a Vossa Excelência que coloque em pauta, porque há parecer do Procurador Geral da República favorável à prisão domiciliar deste réu. Vossa Excelência, Ministro Joaquim Barbosa, deve honrar esta casa e trazer aos seus pares o exame da matéria. Vossa Excelência mandou que ele voltasse ao regime semi-aberto….
MINISTRO: eu agradeço a Vossa Excelência.
ADVOGADO: ...nós pedimos que ele viesse ao regime domiciliar...
MINISTRO: eu agradeço a Vossa Excelência.                      
MINISTRO: tire o áudio.
ADVOGADO: pode cortar a palavra porque eu vou continuar falando…
MINISTRO: eu vou pedir a segurança pra retirar esse Senhor…
MINISTRO: tire essa..a segurança por favor….
ADVOGADO: eu pegarei Vossa Excelência Ministro Joaquim, por abuso de autoridade…
MINISTRO: vai pegar…
MINISTRO: quem esta abusando de autoridade é Vossa Excelência.
ADVOGADO: abuso de autoridade…
MINISTRO: a República não pertence a Vossa Excelência e nem a sua grei… saiba disso.
ADVOGADO: nem a Vossa Excelência...




ANÁLISE

Conduta e manifestação do advogado.

Primeiramente lembremos que, apesar de muitos se esquecerem disto, não há hierarquia entre advogado e magistrado.

É o que preconiza o Estatuto da Advocacia - art. 6º da Lei 8.906/94:
não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

Aqui é importante destacar também a previsão constitucional, artigo 133, que dispõe:
“O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

Portanto, não há subordinação, submissão ou sujeição entre advogado e juiz. Mas, apesar disso e principalmente em função de uma “doença” que ataca parte dos magistrados (nas palavras do ministro Marco Aurélio – juizite), muitos, inclusive próprios advogados, têm desprezado essa previsão legal. No caso em tela, a violação do ministro presidente não foi apenas ao Estatuto, mas também à Constituição.

Ouvi muitos dizendo sobre como o advogado Pacheco interviu na sessão sem ter a palavra. Muito bem, vejamos isto:

Dentre as prerrogativas previstas no art. 7° do Estatuto da Advocacia, destaco o inciso X, o que prevê a intervenção sumária pela ordem.

usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas”.

Essa intervenção sumária é feita em qualquer audiência/sessão por advogado, defensor, procurador e qualquer outro regido pelo Estatuto da Advocacia. Com o uso das palavras pela ordem, poderá o advogado intervir sumariamente, ou seja, de forma objetiva e sucinta, (i) para esclarecimento de circunstâncias fáticas que influenciem no julgamento/tramitação do processo; (ii) para replicar acusação ou censuras, e por fim, apesar de não estar expressamente disposta em lei, mas já aceita por parte da jurisprudência e doutrina, (iii) o esclarecimento de questões de Direito que influenciem a tramitação/julgamento do processo.

Assim, vê-se que o advogado Pacheco corretamente se utilizou dessa prerrogativa. Sua intervenção foi feita para o esclarecimento de que o recurso já deveria ter sido pautado para a apreciação, mesmo sem conseguir concluir sua intervenção, esta ultrapassou poucos mais de um minuto. Portanto, sumária.

A manifestação feita pelo advogado não poderia ser cassada. O direito à palavra exercido pelo advogado não é concedido pela Corte ou pelo magistrado e sim pela lei.

Sob a ótica legal, o presidente da Corte ilegalmente retardou a apreciação do recurso (e isto não seria novidade para ninguém). Barbosa é um admirável combatente da corrupção e da politicagem que contamina principalmente o Congresso. Sua postura, na maioria das vezes, tem sido louvável e definitiva para que a lei seja aplicável a todos. No entanto, por vezes, no seu ímpeto altivo de justiça e aclamado pelo povo, vem pontualmente sendo ativista, desrespeitando esta mesma premissa de que a lei é aplicável a todos.

Todos, “mensaleiros” ou não, tem direitos e garantias. Barbosa, vem habitualmente cometendo arbitrariedades para a satisfação do seu sentimento de justiça. Ele não tem poder para isso, nenhum juiz tem poder para isso. Juiz é aplicador da lei. É claro que não é um aprisionado da lei, mas está adstrito aos limites dela, sendo sua função interpretar e aplicar a lei ao caso.

Até o próprio ministro Marco Aurélio criticou a atitude do ministro Joaquim Barbosa:
Achei péssimo (o episódio), mas nada surge sem uma causa e deve haver uma causa. E a causa eu aponto, é por não haver ainda o relator, o presidente, trazido os agravos à mesa. Estamos a cuidar de assunto que diz respeito a réus presos, e aí o processo tem preferência maior”, disse Marco Aurélio no intervalo da sessão. ”

Vemos no vídeo que o advogado Pacheco interviu pela ordem, pediu desculpas e imediatamente o ministro Gilmar Mendes interrompeu a leitura do relatório para o pronunciamento do advogado. Iniciou suas palavras com imposição, mas respeito e tecnicidade, até o momento em que o presidente Joaquim Barbosa o ironizou, indagando-lhe se iria pautar o processo. Daí então Pacheco prosseguiu em alta voz e tom de desrespeito.

O problema é que o ministro Barbosa, num de seus já conhecidos surtos de autoritarismo, optou por interromper o pronunciamento do advogado, cortando o áudio e o expulsando do plenário.

Várias foram as manifestações que condenam o autoritarismo de Barbosa, entre elas destaco:

O advogado tem direito a palavra” - veja mais Marco Aurélio, ministro do STF

“quem está preso tem pressa...irei levar os recursos ao plenário” - veja mais. - Luis Roberto Barroso, ministro do STF.

“eu não agiria dessa forma” - Anderson Fur­lan, presidente da APAJUFE - Associação Paranaense de Juízes Federais.

nem sequer a ditadura militar chegou tão longe no que se refere ao exercício da advocacia”. - Conselho Federal da OAB


Apesar disso tudo, não quero aqui deturpar os fatos ou tender em apoio para um lado. Foi notório o desrespeito do advogado Pacheco em reportar-se ao ministro. Pacheco violou o dever de urbanidade, previsto no art. 44 do Código de Ética da OAB, vejamos:

“Deve o advogado tratar o público, os colegas, as autoridades e os funcionários do Juízo com respeito, discrição e independência, exigindo igual tratamento e zelando pelas prerrogativas a que tem direito.”

Certo é que o presidente da Corte violou prerrogativas do advogado, porém, isto não daria ao advogado o direito de agir como agiu. Agir com urbanidade não é apenas uma orientação ética ou moral, é um dever legal imposta ao exercício da advocacia. E isso é passível de punição.

Ao final do vídeo vemos que Barbosa retrucou o advogado dizendo que quem abusou de autoridade foi ele (o advogado). Advogado não abusa de autoridade. Advogado não é autoridade. Advogado não é servidor público. O abuso de autoridade aqui, se aplicável, seria apenas ao ministro presidente Joaquim Barbosa.

A lei de abuso de autoridade no artigo 3º, prevê:

“constitui abuso de autoridade qualquer atentado: [...] j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. “

E nisso o ministro Joaquim Barbosa se enquadrou perfeitamente. Além disso, o artigo 4º, num aproveitamento indireto completa:

Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder”.

Encerrada a sessão, Babosa se pronunciou dizendo que o advogado o ameaçou. Equivocou-se o ministro. De acordo com a doutrina, ameaça é crime específico, previsto artigo 147 do Código Penal, que exige uma ação específica. No vídeo, Pacheco diz apenas que iria pegá-lo em abuso de autoridade, e nisto não houve um mal injusto e grave, como exige o tipo penal.


CONSIDERAÇÃO FINAL

O ministro Joaquim Barbosa claramente errou e violou prerrogativas legais da advocacia. Contudo, sua atitude nada mais foi do que uma reação a ação do advogado Pacheco, que inicia sua aparição sereno e tranquilo, e, segundos depois, com deselegância e desrespeito. Pacheco esqueceu-se de algo importante em qualquer relação humana, sejam profissionais ou pessoais: para uma ação, há sempre uma reação!

terça-feira, 17 de junho de 2014

“DECIDO ANTES MESMO DA ANÁLISE DAS PROVAS...”

Síntese do caso

Esta foi a frase dita por um juiz durante uma de suas aulas em uma faculdade em Brasília. Explicou que, ao longo de todos os anos que exerce sua função como magistrado, pouquíssimas decisões suas haviam sido reformadas, “mesmo decidindo antes da produção de provas”. Enalteceu-se da rápida capacidade que tem em decidir a causa antes mesmo da fase instrutória.     É em síntese o caso.



A “doença” de sempre.

     Os fundamentos capazes de explicar a posição do magistrado provavelmente são: os seus próprios pontos de vista! (exemplos de pontos de vista: ). Dizeres que em comum, estão presentes nos fóruns do Brasil afora. É o velho problema (referido neste tópico como “doença”) da formação e construção da decisão do juiz. Não é dever, nem mesmo poder arbitrário do juiz, decidir conforme seu ponto de vista e/ou sua consciência.

Este mesmo magistrado, em outra aula, explanou sobre sua liberdade para criar e inovar na atuação como magistrado – justificando que seria para uma melhor prestação jurisdicional. É o problema, mais velho ainda, e aqui efetivamente incide como problema, qual seja, o ativismo judicial (incide aqui como um problema porque há a possibilidade do “ativismo judicial aceitável”).

Não deve o magistrado julgar, ou pior, como “in casu”, ensinar sobre a aceitação de como é justo decidir conforme seu ponto de vista.



Da atuação do magistrado em decidir.

Decidir não é produzir o direito no caso concreto. Porém, não é também uma reprodução obrigatória e totalmente vinculada às normas jurídicas.

A decisão judicial requer um estudo, além do Direito positivo, de reflexões necessárias de diversos meios quanto ao seu nascimento e legitimidade.

É o estudo da teoria da argumentação jurídica, que abrange, além da decisão judicial, também o raciocínio lógico e jurídico (não é a intenção aqui, tendo em vista o objetivo do texto, explicar sobre a teoria da decisão judicial). Em resumo, (necessário para um melhor entendimento do texto), conforme a teoria da decisão judicial, o magistrado deve, após apreciar todo o conjunto probatório e o valor de todas as razões apresentadas pelas partes respeitado o contraditório, decidir fixando uma correta interpretação da norma jurídica, e considerando as consequências de sua decisão. E não, conforme sua consciência, justificando-se em fundamentos morais-éticos-políticos. Direito não é moral. Direito não é política.

Não estou dizendo que o julgador deve estar preso às leis, mas, este não pode ser criador do Direito conforme o caso – de acordo com sua consciência. Direito (i) são os limites da liberdade de criação, em que, deve respeitar-se os mandamentos divinos, que constituem a lei eterna (Tomás de Aquino – Teólogo italiano); (iié a liberdade humana que deve ser regulamentada e limitada mediante a lei (Samuel Pufendorf – Jurista e político alemão); (iiié a liberdade de cada um com a liberdade dos demais, de forma que a liberdade possa prevalecer como regra geral, devendo o direito limitar a ação do indivíduo (Immanuel Kant – Filósofo alemão), por fim, (ivé o equilíbrio de uma visão positivista e uma visão moralista – Direito posto e pressuposto (Eros Roberto Grau – professor e Ministro aposentado do STF).        



Perpetuando a existência do mal preparado julgador.

O Direito moderno está em crise! A reflexão do caso narrado no início do texto é a crise do ensino jurídico, que está centrado no aprendizado da teoria simplificada em casos práticos. É a raiz da deficiência na aplicação do Direito.

O ensino jurídico precisa de socorro para a criação dos novos operadores do Direito. Direito não é simples, não é fácil. Por isso, não é suficiente conhecer as 1.000 perguntas/pegadinhas para o exame da OAB, ou ter de memorizar as regras e prazos das leis orçamentárias, ou, graças aos resumos e resumões, conseguir memorizar artigos e nomes referências para um concurso.



Conclusão

É necessário que todos (especialmente nós, estudantes do Direito) não nos conformemos com meras explicações técnicas, abandonando assim a função ideológica do Direito, por exemplo. O operador/estudante do Direito deve, desde já, entender o que é a aplicação do Direito conforme as leis ordenam, ponderando a realidade na qual está inserido tanto ele como a lei.